sábado, 18 de agosto de 2007

Reciclagem musical IV


Continuando a ideia dos posts anteriores, escolhi para comentar hoje uma canção chamada She's leaving home, do album Sergeant Peppers lonely hearts club band, considerado unanimemente a obra-prima dos Beatles. Apesar de ter sido publicada em 1967 (e aproveito a ocasião para prestar homenagem aos 40 anos deste álbum) trata na minha opinião de um tema extremamente actual, que são as relações familiares, nomeadamente a relação entre pais e filhos.


"Wednesday morning at five o'clock as the day begins
Silently closing her bedroom door
Leaving the note that she hoped would say more
She goes downstairs to the kitchen clutching her handkerchief
Quietly turning the backdoor key
Stepping outside she is free.
She (we gave her most of our lives)
Is leaving (sacrificed most of our lives)
Home (we gave her everything money could buy)
She's leaving home after living alone
For so many years. (bye, bye)

Father snores as his wife gets into her dressing gown
Picks up the letter that's lying there
Standing alone at the top of the stairs
She breaks down and cries to her husband
Daddy our baby's gone!
Why would she treat us so thoughtlessly?
How could she do this to me?
She (we never though of ourselves)
Is leaving (never a thought for ourselves)
Home (we struggled hard all our lives to get by)
She's leaving home after living alone
For so many years. (bye, bye)

Friday morning at nine o'clock she is far away
Waiting to keep the appointment she made
Meeting a man from the motor trade.
She (what did we do that was wrong?)
Is having (we didn't know it was wrong)
Fun (fun is the one thing that money can't buy)
Something inside that was always denied
For so many years.
She's leaving home bye, bye. "

De todas as canções dos Beatles, esta foi provavelmente aqula que mais me marcou. Partindo de um trocadilho entre os verbos “to leave” (partir) e “to live” (viver) conta-nos a história de uma rapariga que se sentia totalmente só e por isso resolveu sair de casa para grande desespero dos seus pais. Ela toma esta decisão porque na sua casa ninguém parecia minimamente preocupado com o seu bem-estar ou com os seus sentimentos. Apesar do simbolismo hippie que possa ser atribuído a esta canção, os casos de crianças e jovens cujas vidas familiares deixam muito a desejar não deixam de ser um tema pertinente hoje, tal como certamente o seriam em 1967. Quando ouvimos falar em abandono pensamos no sentido literal do termo, mas o abandono também pode ser psicológico, se os pais são seres permanentemente ausentes, com quem os filhos não conseguem manter qualquer tipo de proximidade. A educação, afinal de contas, não é apenas uma questão de dinheiro: a atenção, o carinho e o respeito mútuo não estão à venda. E não é tão raro como se possa pensar vermos muitos pais que se limitam a comprar os filhos, muitas vezes movidos por sentimentos de culpa de não lhes darem atenção que gostariam (até porque muitas vezes não o conseguem pelas mais variadas razões, ninguém disse que educar um filhos era uma tarefa fácil) e que compram aos filhos tudo o que eles pedem, deixando-se manipular totalmente pelos caprichos dos filhos e sendo incapazes de lhes incutir quaisquer valores. Ou então têm uma relação de tal modo fria com os filhos (muitas vezes com as melhores intenções e sem noção nenhuma das consequências) que estes são estranhos na suas própria casa, a família só o é no papel, não no verdadeiro sentido do termo. Sobretudo porque o afecto e atenção deveriam estar acima de tudo, afinal há coisas que o dinheiro não compra e há muita coisa que não se vê mas que faz muita falta, e cujo valor não deve nunca ser menosprezado.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Reciclagem musical III


Continuando a ideia do post anterior, a minha busca por canções interessantes dos Beatles levou-me ao seu álbum Revolver de 1966 e à balada Eleanor Rigby.

“Ah, look at all the lonely people
Ah, look at all the lonely people

Eleanor Rigby picks up the rice in the church where a wedding has been
Lives in a dream
Waits at the window,
wearing the face that she keeps in a jar by the door
Who is it for?

All the lonely people
Where do they all come from?
All the lonely people
Where do they all belong?

Father Mackenzie writing the words of a sermon that no one will hear
No one comes near.
Look at him working.
Darning his socks in the night when there's nobody there
What does he care?

All the lonely people
Where do they all come from?
All the lonely people
Where do they all belong?

Eleanor Rigby died in the church and was buried along with her name
Nobody came
Father Mackenzie wiping the dirt from his hands as he walks from the grave
No one was saved

All the lonely people
Where do they all come from?
All the lonely people
Where do they all belong?

Embora esta canção também se refira ao alheamento do mundo, ela fala-nos um pouco de outra dimensão do problema: a solidão. Existem hoje, tal como certamente existiam em 1966, muitas pessoas cujas vidas são pautadas pela mais completa solidão, pessoas que simplesmente não têm ninguém a seu lado com quem possam compartilhar o que quer que seja nas suas vidas. Vivem em silencio, apenas quebrado pelo ruído de fundo da televisão, tantas vezes única janela para o mundo. Pessoas que não existem aos olhos da sociedade, como se já não fizessem parte deste mundo (será que alguma vez o terão feito?), existindo apenas porque vivem, ou antes sobrevivem, um dia depois do outro. De entre todos aqueles a quem esta descrição se poderia aplicar, um caso que eu considero particularmente grave e especialmente chocante é a solidão em que vivem muitas pessoas idosas. Passam todos os dias sozinhas sem companhia da família (que quantas vezes não tem tempo ou disponibilidade mental para lhes dar a atenção devida) como que esperando a morte, já que muitas vezes parecem já ter morrido por dentro há muito. Lembro-me de uma senhora que estava internada no Hospital de Santa Maria a quem eu fui distribuir presentes de natal e que nos disse que não valeria a pena ir passar o natal a casa, simplesmente porque não estaria lá ninguém. Eu penso em todos os que passam o natal (e os demais dias do ano) em casas vazia de pessoas e de afecto (na empty house is not a home cantavam os Keane em Atlantic) e vêm-me a memoria os versos “Ah, look at all the lonely people!” até porque talvez seja tempo de abrirmos os olhos para esta triste realidade e fazermos alguma coisa por estas pessoas a fim de que elas possam ter algum lugar a que possam chamar seu.

domingo, 12 de agosto de 2007

Reciclagem musical II


Continuando o processo de retirar do armário as musicas que o meu pai tanto gostava e me ensinou a gostar, vim a deparar-me com algumas coisas curiosas. Uma delas é esta canção dos Beatles de 1965 chamada Nowhere man.

“He's a real nowhere man,
Sitting in his nowhere land,
Making all his nowhere plans
For nobody.

Doesn't have a point of view,
Knows not where he's going to,
Isn't he a bit like you and me?

Nowhere man, please listen,
You don't know what you're missing,
Nowhere man, the world is at your command.

He's as blind as he can be,
Just sees what he wants to see,
Nowhere man can you see me at all?

Nowhere man, don't worry,
Take your time, don't hurry,
Leave it all till somebody else
Lend you a hand.

Doesn't kave a point of view,
Knows not where he's going to,
Isn't he a bit like you and me?

He's a real nowhere man,
Sitting in his nowhere land,
Making all his nowhere plans
For nobody. “

Não deixa de dar que pensar se muitos de nós, não partilhamos mais ou menos conscientemente este tipo de atitude. Pode parecer estranho que uma canção publicada há 42 anos tenha alguma verosimilhança na actualidade, mas se pensarmos com algumas calma talvez não seja tão absurdo como à primeira vista o poderia parecer. Muitos de nós, talvez muitos mais do que nos atreveríamos a supor vivem no estado de alheamento quase total, como que anestesiados de tudo o que acontece à sua volta, até porque essa pode ser a maneira mais cómoda de viver. Como os mesmos Beatles cantavam em 1967 em Strawberry Fields Forever "living is easy with eyes closed, misunderstanding all you see". Quantas vezes no meio de mil preocupações constantes com a vida diária (casa, emprego, família etc.) a nossa disponibilidade mental para outro assunto para além do nosso pequeno mundo virtualmente desaparece, não queremos saber de nada, nem de onde viemos e muito menos para onde vamos. Somos voluntariamente os piores cegos, porque nos recusamos a ver até mesmo o que se passa debaixo do nosso nariz porque a nossa cabeça está tão cheia, que somos alheios a tudo, como se não vivêssemos neste mundo. Não queremos saber de nada, não pensamos nada sobre nada (pensaremos de todo alguma coisa?) e acabamos talvez por perder uma grande oportunidade de fazer alguma coisa pelo mundo e também por nós mesmos.