domingo, 26 de abril de 2009

Reciclagem musical XXVII (Reciclagem musical nacional I)

Desta vez a 27ª reciclagem musical vai andar um pouco por outras paragens. Escolhi pela primeira vez um tema da música portuguesa que eu gosto particularmente, uma canção do Sérgio Godinho do seu álbum de 1981, Canto da boca. Esta canção tem na minha opinião um poema lindíssimo que merece um pouco de atenção. Vale a pena notar que a feira da ladra se realiza todas as terças-feiras e todos os sábados no Campo de Santa Clara, em Lisboa.

“É Terça-feira”

É terça-feira
Feira da ladra
Abre hoje às cinco
Da madrugada

E a rapariga
Desce as escadas quatro a quatro
Vai vender mágoas
Ao desbarato
Vai vender juras falsas
Amarguras, ilusões
Trapos e cacos e contradições

É terça-feira e das cinzas talvez
Amanhã que é quarta-feira
Haja fogo outra vez
O coração é incapaz
De dizer
Tanto faz
Parte para a guerra
Com os olhos na paz

É terça-feira
Feira da ladra
Quase transborda
De abarrotada
E a rapariga
Vende tudo o que trazia
Troca a tristeza
Pela alegria
E todos querem
Regateiam
Amarguras, ilusões
Trapos e cacos e contradições

É terça-feira e das cinzas talvez
Amanhã que é quarta-feira
Haja fogo outra vez
O coração é incapaz
De dizer
Tanto faz
Parte para a guerra
Com os olhos na paz


É terça-feira
Feira da ladra
Fica enfim quieta
E abandonada
E a rapariga
Deixou no chão um lamento
Que se ergue e gira
E roda com o vento
E rodopia
E navega
E joga à cabra cega
É de nós todos
E a ninguém se entrega

É terça-feira e das cinzas talvez
Amanhã que é quarta-feira
Haja fogo outra vez
O coração é incapaz
De dizer
Tanto faz
Parte para a guerra
Com os olhos na paz

A vida, tantas vezes comparada a um palco do teatro poderia bem ser a feira da ladra desta canção. Onde esta rapariga, tal como todos nós, leva todas as suas desilusões e perdas e acaba por transmiti-las a outros na busca por recordações mais felizes. Espera poder assim renascer das suas próprias cinzas e reerguer a sua vida num amanhã que se espera mais feliz. Numa busca que nunca acaba, mesmo quando as circunstâncias são adversas, e mesmo nos dias cinzentos continuamos a ter no horizonte o sonho de dias mais luminosos.

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