sexta-feira, 6 de julho de 2007

Viver e deixar viver

Hoje dediquei-me a interromper o meu estudo para me dedicar a pensar e a escrever sobre algo que me tem vindo a deixar apreensiva: a maneira como lidamos com outras filosofias de vida que não a nossa. Ocorrem-me de tempos a tempos, sobretudo em dias mais tristes, pedaços de frase soltas ouvidas ou lidas algures, palavras e ecoam na minha memória, e que me deram que pensar geralmente não pelos melhores motivos. Frases em que fui surpreendida pela arrogância e pelo elitismo mais ou menos assumido que me rodeava. Considerando-se vencedores dignos e meritórios, censuram impiedosamente quem não se regeu pelos mesmos parâmetros, e não teve os mesmos objectivos.
Fez-me pensar o quanto é fácil para eles julgar todos os outros, considerá-los à partida e por definição um fracasso, nem que seja a fim de mostrarem aos outros (e sobretudo talvez a si próprios) as suas conquistas e virtudes. Este discurso com as suas muitas variações tem a capacidade de me enfurecer e mais tarde de me entristecer, por lamentar sobretudo a visão limitada e limitativa que têm da vida e da sociedade onde a vivemos. Talvez também seja mais fácil julgar a vida dos outros do que compreender que existem outras maneiras de ver a mesma realidade, que certamente não serão menos legitimas. Talvez mais elementar ainda: entender que a vida de cada um pertence a esse individuo e em ultima analise ele tem o direito de decidir o que fazer dela (desde que cumpra as regras em que a sociedade se baseia, ou seja desde que cumpra a lei) e as suas decisões podem e devem merecer o nosso respeito, concordemos com elas ou não. Dito de outra maneira, muitos de nós, senão mesmo todos nós, devemos aprender a viver e deixar viver.
A tolerância, o simples respeito pelos outros, pelos quais tantos lutaram e ainda hoje muitos lutam, é talvez a maior das utopias, mas talvez seja também a chave para um mundo mais justo. Quando finalmente soubermos (sabê-lo-emos algum dia?) deixar o pensamento mesquinho e egoísta, sairmos do nosso confortável casulo e virmos o mundo real com a finalidade de compreender e não de julgar (afinal quem somos nós para o fazermos, quem nos deu tal direito?) tornar-nos-emos mais humanos, mais abertos, mais capazes apreciar a diversidade natural e necessária dos seres humanos.
Talvez muitos daqueles que são tão rápidos a declarar a mediocridade alheia, devessem pensar se não serão eles próprios tão medíocres como aqueles que criticam do alto do seu pedestal de egocentrismo e inconsciência.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Poesias

Eu nunca fui boa aluna a Português. A poesia que inundava os programas de Português B tornava-se facilmente para mim algo que roçava o transcendental, uma espécie de linguagem cifrada sem código fácil. Claro que seria tremendamente injusto dizer que entras todas essas obras eu não gostei de nenhuma: nada disso eu gostei bastante de várias, simplesmente estava longe ser para mim fácil interpretá-las. Contudo não foi apenas nas aula de português da minha escola secundária que eu conheci a poesia que provavelmente mais gostei até hoje. Esse poema estava no meu livro de moral do 8º ano e eu nunca mais o esqueci: Intitulava-se A Pedra Filosofal.
“Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso,
em serenos sobressaltos
como estes pinheiros altos
que em verde e ouro se agitam
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho alacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,base, fuste, capitel.
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa dos ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança.,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,para-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra som, televisão
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabem,
nem sonham,que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avançacomo bola colorida
entre a mãos de uma criança.”
(António Gedeão)
Ainda hoje não sei bem explicar o motivo do fascínio que este poema sempre exerceu sobre mim. Talvez seja por nos mostrar o poder dos sonhos num mundo que em grande parte se esqueceu de sonhar. Vivemos num mundo de consumo desenfreado, mas de grande exigência. Vivemos a correr, num mundo que não se pode dar ao luxo de parar. Nem sequer para pensar, e muito menos para sonhar, ambicionar ou desejar verdadeiramente alguma coisa. Num turbilhão de ruídos e tarefas foi-se a paz e a calma necessárias a aspirar algo mais que viver um dia a atrás do outro, que quase sempre significam tão pouco e que nos deixam cansados e sem forças, hipnotizados pelo mundo que nos chega através de um ecran para o qual tantas vezes olhamos sem ver. Mas a vida não é apenas essa sobrevivência difícil, essa luta continua em que acabamos por desperdiçar muita da nossa vida, porque assim nos é exigido. Quando podemos finalmente parar existe um outro mundo a nossa espera, apenas nosso. Olhar para dentro e perguntarmo-nos o que realmente importa o que realmente queremos deste mundo o que podemos fazer por nós e por ele. Podemos construir a nossa vida, ganhar outra consciência do que se passa a nossa volta. Em suma: sonhar possibilita-nos ser verdadeiramente humanos. Talvez essa seja a chave para o dia de amanhã seja menos cinzento.

E voltando ao eterno tema do cinema…

Eu gosto muito de ver filmes. Quando vou ao cinema ver um filme que escolhi (já fui contrariada alguma vezes, e como seria de esperar detestei os filmes que vi) geralmente espero uma de duas situações: ou ver um filme agradável que me entretenha e me deixe bem-disposta ou então, e mais frequentemente, ver um filme que conte uma história que me faça pensar e me transmita uma mensagem. Alguns dos meus filmes de eleição tiveram em mim um impacto tão forte, que mesmo já os tendo visto há anos, continuam tão vividos na minha memória comos e os tivesse visto ontem. Contudo eu, como qualquer pessoa, interpreto aquilo que vejo à minha maneira, segundo a minha visão da realidade. Porque duas pessoas que vêm o mesmo filme dificilmente vêm, de facto, a mesmo filme e interpretam-no de modos geralmente muito distintos. Eu já desisti há muito de tentar colocar os filmes em gavetas, limito-me a classificá-los da maneira mais simples, primária e despretensiosa possível: existem filmes que eu gosto e outros que eu não gosto. Classificação, alias amplamente utilizada por mim, não só para filmes como para música, livros ou qualquer forma de arte. Não sou particularmente apreciadora de atribuir rótulos a todo o género de obra, uma vez que se trata de simplificações da realidade e que são por isso sempre muitíssimo mais pobres do que aquilo a que se reportam. Afinal se todos vemos algo de diferente em tudo, o que importa é o que vemos significa para nós. E isso depende apenas de cada um de nós.

Viagens

O meu professor de História do 8º e 9º ano costumava dizer-nos que se podia aprender estudando ou viajando. Se durante algum tempo mantive um certo cepticismo relativamente ao que se pode aprender a viajar, hoje reconheço que ele tinha toda a razão. Embora eu só viaje quando o calendário e o orçamento o permitem, esses poucos dias encontram-se entre os melhores da minha vida. Cada vez que percorro de máquina fotográfica ao ombro um cenário até então desconhecido e vejo o que me rodeia, eu ganho uma nova consciência do mundo. Ao longo dos últimos cinco anos eu visitei várias cidades europeias, em diferentes países e com dimensões muito diferentes. No entanto e ao contrario do que eu esperava muitas delas têm mais em comum entre si do que seria de esperar. Quando se nos lembrassem que nelas se vive como em tantos outros lugares do mundo, formando uma espécie de comunidade invisível e indefinida em cada um delas é especial à sua própria maneira, tem a sua identidade, o seu cartão de visita, que a torna única e igual somente a si própria. Se já vi e fotografei nas minhas viagens muitas pequenas e grandes maravilhas, também me fui apercebendo que as cidades tinham o seu lado negro, de um modo surpreendentemente igual ao da minha cidade natal. As grandes metrópoles europeias tornaram-se grandes centros de emigração, às quais chegam novas pessoas todos os anos, atraídas pelo seu ambiente activo e prospero, em busca de uma vida melhor do que aquela que lhes era acessível na sua terra natal. Muitos são provenientes dos países africanos, fugindo à guerra e à pobreza, muitas vezes ilegalmente e correndo riscos quase inimagináveis para muitos de nós. Muitos outros vêm da Europa de Leste muitas vezes também ilegalmente, tornando-se alvos de redes de tráfico humano, cuja actividade criminosa é difícil de combater. No entanto, os emigrantes tornam-se um problema para os países de acolhimento, dada a sua integração incompleta ou inexistente, às suas condições de vida frequentemente difíceis, tornando-se fontes de tensão social, frequentemente associados a criminalidade e à marginalização. A emigração na união europeia é um problema complexo, sem solução fácil à vista. Tratar-se-á se algo com que os dirigentes políticos e com que a própria sociedade terá de lidar o melhor que for possível para o bem de todos. Mas isso será uma tarefa gigantesca e o primeiro motivo disso é de uma simplicidade quase chocante. As correntes migratórias de hoje, bem como foram as de ontem e serão as de amanhã não são mais que o espelho das assimetrias do mundo, resultando do simples facto de uns terem muito e de muitos outros não terem quase nada.

Lugares

Todos nós passamos a nossa vida em diferentes espaços. Alguns apenas de passagem que nada significam para nós, outros locais de passeio dos quais guardamos imagens na memoria ou nos álbuns de fotografias, outros ainda lugares onde passamos e grande parte da nossa vida, e que se encontram cheios das nossas recordações de dias ali passados.
Entre os lugares que mais recordações me trazem encontram-se, por motivos não muito difíceis de descortinar, as escolas por onde eu passei. Recordações vagas e difusas de anos mais longínquos, recordações dolorosas de uma nitidez dilacerante, e recordações felizes que me fazem sorrir a distância. Cenários que eu revejo mentalmente de cada vez que me dedico a pensar no meu passado próximo e distante. Lembro-me de pormenores insignificantes que outrora fizeram parte dos meus dias: como eram as cadeiras e as mesas, como era o refeitório, o recreio etc. A certa altura deixo de reparar naquilo que sei que me espera todos os dias segura que tudo estará na mesma todos os dias se repetem com os meus caminhos, que se tornam tão familiares que os poderia fazer de olhos fechados. Cenários que podiam ser tristes mas que fazem lembrar de coisas felizes, e outros que deveriam ter sido felizes mas onde eu nunca mais quero voltar por guardarem demasiadas más recordações, outros onde eu fui feliz e infeliz em tempos diferentes e que me são estranhamente indiferentes. Cenários que tantas vezes parecem repetir-se com o bolero em subtis transformações de um mesmo tema em que tudo muda sem contudo nunca mudar.
A rotina é, sem duvida um instrumento poderoso: repete-se constantemente, previsível, em dias que se sucedem iguais, mais cinzentos se chove ou se estou triste ou alguém à minha volta o está, menos cinzentos se está sol ou se alguém sorri. As pessoas à minha volta transformam o cenário em que eu vivo, ou constroem-no tornando-o feliz ou deprimente, afinal o um lar só o é quando abriga as nossas recordações (“an empty house is not a home”) e só nos é familiar aquilo que transporta consigo o seu significado. Cada vez que entro em sítios onde por um dia me senti feliz sinto-me em casa. Afinal penso que descobri o que é pertencer a algum lugar

Reciclagem musical

Durante os últimos tempos dediquei-me a organizar as músicas que os meus pais costumavam ouvir quando eu era criança e inclui-las nas minhas playlists electrónicas. Por entre essas canções recordei-me de uma de que eu gostava particularmente chamada The sound of silence do Simon and Garfunkel que o meu pai tanto gosta. Esta é a letra dessa canção:

“Hello darkness, my old friend,
I've come to talk with you again,
Because a vision softly creeping,
Left its seeds while I was sleeping,
And the vision that was planted in my brain
Still remains
Within the sound of silence.
In restless dreams
I walked alone
Narrow streets of cobblestone,
Beneath the halo of a street lamp,
I turned my collar to the cold and damp
When my eyes were stabbed by the flash of
a neon light
That split the night
And touched the sound of silence.
And in the naked light I saw
Ten thousand people, maybe more.
People talking without speaking,
People hearing without listening,
People writing songs that voices never share
And no one dared
Disturb the sound of silence.
"Fools" said I, "You do not know
Silence like a cancer grows.
Hear my words that I might teach you,
Take my arms that I might reach you."
But my words like silent raindrops fell,
And echoed
In the wells of silence
And the people bowed and prayed
To the neon god they made.
And the sign flashed out its warning,
In the words that it was forming.
And the signs said,
T he words of the prophets
are written on the subway walls
And tenement halls.
And whispered in the sounds of silence.”

Esta canção tinha e tem para mim um grande significado. Apesar de já ter sido escrita há algumas décadas remete-nos para algo extremamente próximo: a solidão urbana. Vivemos no reino do silêncio, do vazio das palavras humanas. Estamos sozinhos num mundo barulhento, frívolo, solitário e egoísta, em que se vive para o imediato, em que depressão se tornou quase banal. As luzes de néon são nesta canção o símbolo desse mundo, em que vivemos, muitas vezes indiferentes a tudo. Conforta-me que existam canções assim, com as quais podemos aprender a pensar a ganhar outra consciência do mundo, e talvez assim possamos mudá-lo.

Mais contradiçóes da sociedade actual

Não sei bem por que motivo, mas hoje lembrei-me de uma das apresentações de medicina preventiva o ano passado sobre a gravidez tardia. A partir daí vieram-me à mente as frases habituais sobre a reduzida taxa de natalidade em Portugal e na Europa em geral, que associada ao aumento da esperança média de vida, é considerada a causa do envelhecimento das populações. Surpreenderam-me na altura as reacções da maioria dos meus colegas de turma em relação a esta situação. Ou melhor: surpreendeu-me a sua ingenuidade. Os factos são claros: a maioria das pessoas tem cada vez menos filhos e cada vez mais tarde, como todos os riscos que tal decisão acarreta. As causas deste fenómeno estão na minha opinião relacionadas de modo estreito com a realidade laboral de muitas pessoas e da qual muitos dos meus colegas me pareceram estranhamente pouco conhecedores. Apesar de teoricamente ser ilegal fazê-lo, a verdade é que as trabalhadoras grávidas são frequentemente despedidas e em geral as mulheres com encargos familiares acabam por não ser muito bem aceites nas empresas. Afinal o mundo em que globalizaram os mercados antes das culturas trouxe a muitos quadros técnicos de muitas empresas uma exigência imensa que abalou a sua vida: simplesmente têm demasiadas solicitações relativamente ao tempo que de dispõem para as cumprir. Se juntarmos ainda o facto de as licenças de parto serem ainda ridiculamente curtas e as despesas de criar uma criança pesarem no orçamento da maioria das famílias, não é de espantar que muitos casais pensem duas vezes antes de ter um filho, sobretudo sabendo que muitos pais gostariam de dar aos filhos as oportunidades que eles próprios não tiveram. Por isso me surpreende que tantas vozes se ergam para condenar o facto de os filhos serem adiados para cada vez mais tarde, e serem cada vez em menor número: trata-se apenas uma consequência e um reflexo do mundo em que vivemos.

Viagem de todos os dias

Todos os dias a rotina se repete. Saio de casa por volta das 9, mais cedo ou mais tarde conforme foi maior ou menor a preguiça. Dirijo-me para a paragem do autocarro e fico ali à espera que ele chegue. Vou ouvindo música e olhando para o relógio, quando me lembrei de o pôr, até aparecer o meu autocarro. Abstraio-me da realidade à minha volta: das crianças da escola de primária com as suas brincadeiras ruidosas, do cheiro a pão quente da pastelaria de Carnide, dos carros que passam demasiado depressa como se quisessem evitar a todo o custo o semáforo vermelho ao fundo da rua. Quando finalmente entro no autocarro, tento sentar-me à janela e vou vendo a paisagem. Ou alias: olho mas não vejo. Não preciso aliás de olhar com atenção. A paisagem repete-se todos os dias, como que para me assegurar que este é um dia igual a tantos outros antes dele e tantos outros que aí virão. De certo modo, esta viagem traz-me uma certa paz. Dá-me a ilusão de ordem, de ritmo próprio da vida à minha volta. Afasta-me de tudo o que virá a seguir que precisará de toda a minha atenção. Finalmente acabo por chegar ao meu destino. O autocarro pára à porta do hospital, onde eu poderia entrar de olhos fechados que não me perderia. Eu percorro os corredores de modo automático até finalmente chegar ao Edifício Egas Moniz. Procuro quase instintivamente por alguém conhecido, chega a ser estranho como um sorriso amigável de um dos meus colegas pode fazer milagres pela minha disposição matinal. E começa mais um dia...

Televisão

A televisão esta longe de exercer grande fascínio sobre mim. A programação raramente atrai, e quando o tal acontece, os horários obscenos a que são transmitidos muitos dos programas que me poderiam interessar em nada melhoram a minha opinião. Na maioria dos dias limito-me a desligar a “caixinha mágica” e procurar algo melhor para me entreter, mas há alturas em que sucumbo a preguiça e não resisto ao tradicional zapping, sobretudo dos canais de música. Mas o que vejo não me agrada: a maioria dos videoclips parecem ser a interminável cópia de um modelo aparentemente bem sucedido (ou não seria copiado) e são de uma tal falta de originalidade que um observador distraído teria dificuldade em distingui-los. Mas essa realidade esconde algo de bem mais assustador acerca da cultura pop, que me faz acordar da minha letargia mental e me põe a pensar. Os vídeos são as repetições dos estereótipos que marcam a moda e a sociedade, oscilando entre um sexismo descarado, e um materialismo degradante, sublinhado pela falta de conteúdo das canções que em tudo fazem apelo a uma estupidificação massiva. A MTV portuguesa (a única que conheço) tornou-se um poderoso instrumento de deseducação, se me é permitido o uso de semelhante expressão. Um apelo invisível mas constante à superficialidade, ao culto da aparência. A televisão é, todos o sabemos, um meio de comunicação privilegiado. Mas que uso estamos a dar aos meios que a tecnologia nos põe ao nosso dispor?

Os melhores portugueses

Se existem programas de televisão que me deixam algo estupefacta, bom certamente que “os melhores portugueses” é um deles. A ideia de seleccionar e hierarquizar as pessoas que seriam os “melhores portugueses”. Mas o que são ou é suposto serem os “grandes portugueses”? Se já uma questão como a melhor canção seria suficientemente ambígua, então como abarcar toda a diversidade existente na nossa historia sob um critério de uniformidade, e tentando estabelecer uma hierarquia? Se nada existe de comparável, então como estabelecer o que se considera mais relevante? Seria um pouco como tentar comprar uma torradeira com um aspirador e decidir qual o mais importante. No mínimo, de uma lógica duvidosa. Contudo existe ainda outra questão: o que se considera meritório na acção humana. Existe todo um espectro de obras marcantes para a sociedade, dentro do contexto temporal e espacial a que se adequam. Não se pensa hoje da mesma maneira que se pensava noutras épocas e essas e as circunstancias marcam as prioridades próprias de cada época. Mas não só o tempo condiciona a acção, também as possibilidades de acção de cada um. Afinal muitos anónimos podem ter feito muito pelo seu pequeno mundo, sem estarem destinados a ser recordados nas páginas da História. E afinal quem somos nós para julgar a humanidade da qual fazemos parte mas cuja natureza estamos ainda tão longe de entender?

Dia internacional da mulher

Hoje, dia 8 de Março de 2007, é dia internacional da mulher. Muitos perguntar-se-ão certamente da utilidade da existência de um dia dedicado somente às mulheres. Na minha opinião, tem como objectivo fazer-nos pensar sobre a igualdade, tantas vezes meramente teórica, entre homens e mulheres. Existe algo de paradoxal nesta questão: todos os estudos mostram claramente que as mulheres são melhores alunas, constituindo cerca de 60% dos estudantes do ensino superior, e apesar disso têm mais dificuldades de emprego e raramente atingem cargos de direcção. Em grande parte, esta situação deve-se a sobrecarga devida aos encargos familiares que continua a recair maioritariamente sobre as mulheres e as prejudica relativamente aos seus colegas de trabalho. Apesar de a legislação o proibir, muitas mulheres perdem o emprego ao terem filhos e mesmo quando tal não acontece estão sujeitas muitas vezes a uma rotina desgastante causada pela sobrecarga de solicitações de que são alvo. Convêm ainda recordar que a violência doméstica é ainda uma realidade no nosso país, da qual as mulheres são as principais vitimas. Vivem muitas vezes um longo pesadelo em silêncio, devido à falta de ajuda ou mesmo de alternativas, sobretudo devido a dependência económica dos maridos. Talvez a minha perspectiva se oriente muito por aquilo a que alguns chamarão feminismo, mas eu penso que há ainda muito a mudar na mentalidade das pessoas e da organização da própria sociedade para que a igualdade passe do papel para a realidade.

Sinistralidade Rodoviária

Não o é, mas bem que poderia ser apelidada de a epidemia do século XXI. E devido ao simples facto de ceifar muitas vidas por ano, especialmente nestas alturas no Natal e do Ano Novo. Acidentes trágicos enchem as páginas dos jornais e as notícias do telejornal e são apenas a ponta do icebergue de uma realidade assustadora. Todos os dias se morre nas estradas deste país. Por culpa de muitos factores, dos quais acaba por sobressair sempre causas humanas. Não são as estradas nem os veículos que causam a maioria dos acidentes mas sim quem os conduz. Não sei se a melhoria dos carros contribui para isso, mas muitos condutores parecem esquecer-se das limitações físicas que ainda se impõem à condução, nomeadamente que quanto mais depressa de se vai, de mais espaço se precisa para travar. Já para não falar dos desrespeito pela sinalização e sobretudo pela ingenuidade com que muitos levam os efeitos do álcool na condução. Por mais campanhas que se façam nada parece mudar realmente. Todos os anos, esta triste situação se repete, talvez devido a mentalidade do “só acontece aos outros”. Mas não é assim, e nenhum de nós que ande por aí na estrada está livre de se ver envolto numa destas situações. Por isso, talvez fosse boa ideia pensar nisso antes de infringir o código da estrada (afinal ele existe por algum motivo).

Pai Natal no Hospital de Santa Maria

No dia de 23 de Dezembro, transformei-me em pai natal por uma manhã e fui distribuir presentes ao hospital que alberga a minha faculdade e constitui para mim um universo imenso e desconhecido. Mas poder-se-ia perguntar o que me levou a acordar cedo num manhã gelada, vestir a minha bata e percorrer corredores e quartos com um sorriso e presentes embrulhados para distribuir. Não me vou dar a devaneios sobre a necessidade de humanização do ambiente hospitalar, as minhas razões eram bem mais pragmáticas: fi-lo para ter uma ideia mais clara do que virá a ser a minha vida daqui a não muitos anos. Não posso dizer que me arrependa. As situações que se me depararam variaram imenso desde pessoas adormecidas e como tal totalmente ausentes da realidade, pessoas que não falam ou não são capazes de manter um discurso lógico e coerente, até pessoas perfeitamente lúcidas e conscientes, que falaram comigo e com as minhas colegas e que me conseguiram surpreender com muito do que disseram. Levávamos os presentes que podíamos, nem sempre muito adequados às circunstâncias, apesar disso muito sorriam e afirmavam gostar do que lhes dávamos, enquanto outros diziam ter de nos dar algo em troca, apesar da nossa negação veemente. Alguns marcaram-me particularmente: um senhor por volta dos 60 anos no serviço de neurocirurgia que apesar da enorme costura na cabeça, me sorria ao disco que entreguei me disse gostar bastante, cujas maneiras educadas e límpidos olhos azuis me ficaram na memória. Um senhora que me agradeceu a carteira que lhe dei, dizendo que melhoraria de essa fosse a vontade de Deus, e quando assenti me perguntou se era religiosa. Respondi que não e ela afirmou-me que não importava, que se tratava do mesmo. Disse que todos os deuses eram um mesmo com nomes diferentes, ao que ela concordou, acrescentando que ela pediria ao seu e eu pediria ao meu, que certamente eram um só. Não pude deixar de pensar como estava certa. Todos damos significados diferentes a uma mesma realidade que é simultaneamente a nossa e a de todos nós. Claro que nem tudo foram acontecimentos felizes. Conhecemos uma senhora que todos os anos passava o Natal sozinha e iria para casa no dia seguinte e não tinha lá ninguém que lhe abrisse a porta. A solidão é talvez o que mais atormenta muita gente, mais corrosiva que muitas doenças, destrói as pessoas por dentro, ao retirar-lhes a razão de viver. Para mim esta manhã mostrou-me um mundo cuja existência eu não conhecia. Mostrou-me que podia fazer alguém sorrir. Ensinou-me a ter noção do mundo real, com tudo o que isso pode significar.

Natal

Na 2ª feira passada a minha professora de anatomia contou-nos a sua triste experiência ao passar a noite de natal nas urgências. Dizia algo que me chocou profundamente e ainda assim não me espanta totalmente: nessa noite a minha professora viu bastantes idosos serem literalmente abandonados pelas famílias no hospital e eram tantos que não havia sequer macas, cobertores e almofadas para todos, e segundo a minha professora tudo o que ela lhes podia dar eram bolachas e leite quente. Sinceramente tenho dificuldade em imaginar tal situação. Além de me entristecer profundamente leva-me a pensar em dois assuntos que se podem relacionar com esta situação dramática. O primeiro é a situação dos idosos na nossa sociedade. O segundo é o modo como é encarado o natal.
De todas as fases da nossa vida é necessariamente no início e no fim desta que somos mais vulneráveis. E contudo é frequente vermos como as vidas de milhares de idosos no nosso país são marcadas pela solidão, pela tristeza, dificuldades económicas acentuadas e uma sensação de abandono pelas suas famílias, que só contribuem para agravar estados de saúde que seriam à partida debilitados. Basta vermos os lares de idosos, como aquele que visitei em introdução à medicina o ano passado e me marcou profundamente, sobretudo pela sensação que me deixava: todas aquelas pessoas pareciam ter morrido por dentro há muito vivendo apenas biologicamente, completamente alheias a tudo.
O natal tem-se transformado numa espécie de vertigem consumista que parece fazer maravilhas pelo estado do comercio (nestas alturas eu pergunto-me sempre se a tão falada crise sempre existe) mas duvido que as faça pela nossa consciência: apesar de muitas iniciativas de tornar a noite de natal algo de especial na vida de quem mais precisa, eu pergunto-me se o natal nos fará parar para pensar nos que estão mais perto de nós naqueles que fazem parte das nossas e de quem tantas vezes nos esquecemos na vertigem da rotina diária.

Contradições da sociedade actual

Vivemos no mundo das contradições: para onde quer que olhemos estamos rodeados por elas. A sociedade em que vivemos parece ter construído padrões quiméricos de vida apresentando-os como modelos inquestionáveis a seguir, pouco importando se as circunstancias da nossa vida são pouco ou nada compatíveis com eles. Somos bombardeados com uma cascata infindável de solicitações e apelos ao consumo (como exemplo, temos o pouco saudável espírito consumista, que ataca sempre nesta altura do ano, e que será tema de outro post) que são totalmente incompatíveis com o número de horas disponíveis para atender a tantas chamadas de atenção. Daí que são seja exactamente de espantar que tanta gente deseje mais ou menos abertamente que o dia não tenha 24 horas mas sim 48. Outro exemplo é o da manipulação de imagem e os ideais de beleza. Formámos na mente das pessoas uma ideia de beleza que é muito pouco realista. As tecnologia digital e cirúrgica para isso muito contribuíram: os modelos de beleza que são tão gritantemente diferentes da média da população que ao nos pressionarem a fazer de tudo para nos adaptarmos às exigências da moda nos levam a uma vida de angustia por nunca atingirmos o tão desejado modelo. E uma vez mais se olharmos para muita da comida disponível para o nosso consumo somos chegados ao mundo da abundância sobretudo dos alimentos hipercalóricos, em regra rápidos de ingerir e sempre saborosos, que em nada contribuem para o sucesso na demanda do corpo perfeito. Talvez não seja assim de espantar que as doenças do comportamento alimentar sejam cada vez mais preocupantes e convêm que não nos esqueçamos que mesmo quando as pessoas não sejam a ficar doentes, não significa que a angustia de ter de procurar o tamanho maior que existe nas lojas acessíveis ao grande publico seja caso raro: a obesidade é a considerada a epidemia do século XXI e certamente não o será por acaso. Talvez o problema real seja a nossa maneira de pensar que é profundamente errada: estamos tenta fazer crer que uma quimera, às vezes atingida por meios muito pouco ortodoxos, é uma realidade acessível a todos, quando de facto, e a experiência prova-o bem, não o é.

Educação

Depois de toda a confusão que a greve de alunos gerou nos últimos dias e um pouco em consequência do tema do post anterior creio que chegou a altura de pensar um bocadinho no papel de escola na sociedade actual. Qual é a sua principal função? A escola é o local onde se formam os conhecimentos das pessoas, ou é igualmente suposto transformar as suas atitudes e valores? E qual é o papel das famílias na educação? O que importa de facto ensinar? Não creio que alguém tenha alguma vez respondido a estas questões de modo inequívoco.
As alterações no papel da escola são o reflexo de alterações na própria estrutura da sociedade. Hoje em dia muitos pais trabalham muitas horas por dia e todos os dias perguntando-se onde ficam os filhos na sua ausência. Naturalmente esperam que estejam na escola, mas a escola tem o seu horário e este não é necessariamente igual ao dos pais. Estes horários limitam o tempo que os pais tem para os filhos e é muitas vezes atribuída as escolas a tarefa de formar as crianças enquanto futuros cidadãos, tarefa que tradicionalmente competiria à família destas, e para a qual as escolas não foram preparadas.
Vemo-nos portanto num impasse que é, na minha opinião a questão de fundo na educação, embora bem menos publicitada que muitas outras. O professor deve ensinar aos seus alunos o conhecimento que tem de modo a que os alunos aprendam matérias relevantes para o seu futuro (e creio que na ânsia de tornar o conhecimento mais prático os programas das disciplinas mais cientificas quase se tornam monótonas ou mesmo pouco lógicas ou pouco compreensíveis) ou torná-los melhores pessoas? E como? Afinal não foi essa a formação dos professores e eles não são pais dos alunos e é questionável se devem ser convertidos em seus substitutos de modo quando os pais não têm onde os deixar. A escola reflecte o contexto em que se insere, e isso e só isso define as suas características que são extremamente variáveis. Esse foi um outro assunto que ninguém parece ter intenção de compreender, contudo, na minha opinião, é de uma importância vital. O ambiente no qual os alunos vivem acaba por ter um grande peso na maneira como estes encaram a escola, e enquanto as enormes diferenças entre a envolvente das várias escolas não forem tidas em consideração será difícil ter um ensino mais justo, já para não referir em iniciativas hipócritas como o ranking das escolas que apenas hierarquiza o nível socio-económico das famílias dos alunos, que aliás não é novidade para ninguém. Por isso, e para concluir penso que é fundamental uma reflexão séria e sobre os problemas de fundo da educação em Portugal, que são indissociáveis dos problemas da sociedade.

Tradições académicas

Todos os anos por esta altura se reacende a discussão que envolve a tradição académica em geral e a praxe em particular. A minha preguiça impediu-me de vir escrever sobre este assunto, até que o blog da má-língua oficial da FML (o famoso fractura exposta) me forçou a uma reflexão mais séria sobre este assunto e me levou a escrever este post.
Antes de mais, convêm esclarecer a minha posição nesta matéria: eu sou contra a praxe. Contudo a minha posição é apenas a minha e tenho a noção de que e pouco convencional e pouco ortodoxa. Eu não defendo que se ignorem os novos alunos: agora o modo como essa recepção é feita e que penso que poderia e deveria mudar radicalmente. Afinal se somos todos adultos porque não nos limitamos a conversar civilizadamente com os novos alunos, colocando-nos à sua disposição para ajudar naquilo que a nossa experiência permitir. Poder-se-iam organizar todo o tipo de eventos, sem incluir os habituais rituais de cantorias e jogos de um gosto duvidoso. Em suma fazer algo mais inteligente e com alguma utilidade. A maioria das pessoas pensa que sem a praxe as pessoas não se conheceriam e não se integrariam sem o suposto espírito de camaradagem criado pela praxe. A mim estes argumentos estão longe de me convencer. Soam-me antes a uma espécie de lavagem ao cérebro que pelos vistos tem tido um imenso sucesso. Mas eu não sou apreciadora de chavões nem de lavagens ao cérebro e semelhantes premissas são desmentidas pela minha experiência pessoal: não conheci nenhum dos meus actuais amigos na praxe e o facto de não ter ido a muitas das sessões de praxe em nada dificultou a minha integração nem comprometeu o meu futuro na FML. Não pensem no entanto que eu sou fundamentalista: eu posso ser contra a praxe enquanto conceito: considero-a desnecessária e estúpida. Contudo eu sei que há praxe e praxe. Há praxe que e relativamente inofensiva e há praxe que de inofensivo não tem nada e que na minha opinião deveria ser proibida ou mesmo punida porque há muita coisa que é inaceitável por motivos de civismo até porque já existiram praxes com resultados trágicos (alguma pessoas tiveram de ser hospitalizadas ou mesmo morreram). Eu reconheço que existem pessoas que gotas da praxe tal como ela existe actualmente e não tenho nada que se organizem sessões de praxe, contudo penso que deveriam ser realmente facultativas (ou seja não coincidam com matriculas ou outras obrigações que façam com que as pessoas se desloquem a faculdade) e sejam anunciados como tal: mentir as pessoas e desonesto e indecente - ninguém gosta de ser enganado, creio eu.
Quanto aos movimentos anti tradição académica embora eu concorde em geral com as suas opiniões, desagrada-me o seu discurso demasiado político e a sua maneira de acção no terreno: não é a discutir num corredor apinhado de gente para se matricular que se vai resolver alguma coisa. Isto já para não mencionar que as suas opiniões não lhes dão o direito de desrespeitar os alunos mais velho só porque eles se encontram vestidos com o traje académico, sobretudo sem saberem nada das suas acções ou convicções. E não vejo nada de errado em as pessoas usarem o traje académico, mesmo se não forem praxar por não concordarem com a maneira com a recepção é feita, como é o meu caso – eu fui a minha faculdade conversar com os novos alunos e dar-lhes alguns conselhos que me pareceram úteis, além de lhes mostrar a organização da faculdade, uma vez que considero que isso é importante para estes.

The wind that shakes the barley

Depois de ter visto o filme Breakfast on Pluto, no qual o actor irlandês Cilian Murphyinterpreta o papel principal, lembrei-me do último filme que vi em que esse senhor entrava, não como travesti, mas como um médico irlandês que desiste de ir para Inglaterra para se juntar ao IRA. O seu idealismo e o seu contacto com a realidade social irlandesa em 1920 levam-no a uma luta pela mudança que terá grandes consequências na sua vida. Este filme conta a história da Irlanda tomando como exemplo não só a história do Dr Damien O'Donovan bem como a do seu pragmático irmão mais velho Teddy O'Donovan. Estes defendem de início posições semelhantes contudo com o passar do tempo e o alterar das circunstâncias eles vão-se afastando até se tornarem inimigos. Este filme deixou-me sem saber o que pensar sobre ele, já que e bastante triste (especialmente o final) contudo e apesar da sua falta de espectacularidade mostra-nos que é fácil um grupo inicialmente com um propósito comum dividir-se um facções inimigas, como um tipo bem-educado e bem intencionado se torna num assassino e como todas as nossa escolhas têm consequências.